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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Um Papa que será mais compreendido pela História que pelas pessoas do seu tempo


Com o final do pontificado de Bento XVI a aproximar-se, sucedem-se os elogios. Não as palavras fáceis de circunstância, mas elogios sustentados nos factos que pessoas que vivenciaram com este Papa podem testemunhar.

A Família Cristã foi procurar saber como era Bento XVI na sua vertente diplomática, e por isso foi ao encontro do Monsenhor José Avelino Bettencourt, Chefe de Protocolo da Secretaria de Estado da Santa Sé. Filho de portugueses, este luso-canadiano foi nomeado em novembro por Bento XVI para este cargo, depois de desempenhar cargos no corpo diplomático da Santa Sé durante vários anos, primeiro como secretário da nunciatura em Kinshasa e depois como membro da secção das relações com os Estados.

Este é um cargo que permite assistir em primeira mão a tudo o que sucede na área diplomática no Vaticano. «Eu sou a primeira pessoa que os chefes de Estado e altos dignatários que visitam o Vaticano encontram no aeroporto», refere o monsenhor à Família Cristã, enquanto percorremos o corredor do terceiro andar da casa do Papa, onde se encontram os seus aposentos e onde funciona a Secretaria de Estado. A porta para os aposentos do Papa está fechada e caminhamos em sentido contrário, por um corredor ladeado por pinturas de mapas de todo o mundo, desenhados com uma precisão geográfica impressionante, considerando que são pinturas de 1570.

A Santa Sé tem relações diplomáticas com 180 países, agora que o Sudão do Sul também pediu para apresentar credenciais, e recebe regularmente visitas destes e de outros países, sempre por iniciativa dos próprios. «A Santa Sé nunca convida ninguém a visitá-la. Informa de acontecimentos e recebe todos os que nos queiram visitar, mas nunca faz convites a ninguém. São os outros que tomam a iniciativa de aqui vir, tenham ou não relações diplomáticas connosco», explica Mons. José Avelino Bettencourt.

A figura incompreendida 
Esta é uma área cara a Bento XVI, que tem conhecido um crescimento assinalável nos últimos anos, principalmente por causa da ação de Bento XVI nas suas próprias visitas ao estrangeiro. «Este Papa deu sempre muita importância à questão da diplomacia. Ele viajou muito em África, por exemplo, e conseguia dizer aos representantes dos governos africanos aquilo que mais ninguém lhes dizia. As questões do governo, da transparência, do respeito pela dignidade humana… disse-lhes coisas que mais nenhum chefe de Estado lhes diz. E o seu discurso nas Nações Unidas ainda vai ser muito referido…», avisa o sacerdote.

Pormenores de uma figura que foi muitas vezes incompreendida. «Infelizmente, os media nunca captaram a verdadeira essência de Bento XVI. A história vai olhar para Bento XVI de forma diferente daquela que nós olhámos. Não me surpreende que daqui a 100 ou 200 anos os seus textos se encontrem nos próprios breviários do clero. Ele tem coisas profundíssimas, e penso que a última linha não foi escrita ainda», considera o chefe de protocolo.

Que figura é então esta que nos deixa? «É uma pessoa muito atenta, sensível, longe da imagem fria e distante que todos têm dele. É o gentleman no ponto mais desenvolvido do conceito», diz, e continua. «Cada palavra que ele diz tem um significado próprio, uma intenção, não diz nada supérfluo, ou por acaso. É uma pessoa que traz um vasto mundo consigo, que consegue traduzir de uma forma acessível para todos. E isto tem a ver com aquela atenção que ele tem no trato com as pessoas. Quando ele recebe alguém, aquela pessoa é o centro do seu universo naquele momento. Não está com atenção ao próximo encontro, ou a outro assunto, mas sim à pessoa que tem à frente, e isso sempre me tocou muito», revela o chefe de protocolo.

O responsável por receber e preparar todos os encontros externos do Papa continua a revelar o seu pensamento tão particular e informado sobre a figura do Santo Padre. «E o que ele fez em termos de relações com os muçulmanos? Muitos falam do seu discurso em Ratisbona, mas foi a primeira vez que a comunidade muçulmana se uniu com mais de 150 assinaturas de responsáveis islâmicos e do Papa num documento onde se lia que os nossos valores cristãos e muçulmanos compartilham pontos de vista, e foi a primeira vez na história que tantos muçulmanos se uniram, e isto nunca ninguém refere», critica Mons. José Avelino Bettencourt.

Aliás, a presença de corpos diplomáticos provenientes de países islâmicos é uma constante, e sempre por iniciativa deles. «Os representantes de governos muçulmanos vêm aqui ao encontro de Bento XVI com um enorme respeito, e são os cristãos que pensam o contrário, porque eles querem vir e estar com o Santo Padre», defende.

Amigo de Portugal 
O Papa alemão é, segundo o seu chefe de protocolo, um homem muito atento a Portugal. «Bento XVI teve sempre muita atenção para Portugal e para tudo o que é português. Basta ver as nomeações que fez: o Cardeal Saraiva Martins e o cardeal Monteiro de Castro estão ao mais alto nível na Cúria. Depois visitou Portugal, Brasil, Angola, e foi também ele que quis que o português fosse uma língua usada nas Audiências Gerais», uma coisa que não há muita gente que saiba. «É muito consciente da história de Portugal, e acho que a esse nível Bento XVI foi um dom para Portugal», considera.

Mons. José Avelino Bettencourt não alinha com os que consideram que vivemos tempos graves como nunca antes se viveu na história. «Às vezes, olhamos para o mundo como se enfrentássemos a pior crise da História. Mas Pio IV foi levado para uma prisão por Napoleão e morreu numa cela em França, e quando a Guarda Pontifícia foi destruída durante o período de unificação da Itália, ou quando Carlos V mandou as suas tropas para cá e destruiu tanta coisa… de facto, acho que estamos a viver um período bastante sereno até».

Isto para responder a quem considera que a sucessão de Bento XVI poderá levantar várias questões, dependendo do perfil escolhido. «Temos de acreditar na Providência, e tudo está lá. Os Papas que temos tido têm sido homens do seu tempo. E este Papa foi um homem deste tempo, um grande Mestre nas coisas da fé, muitas das quais ainda estão para serem entendidas», conclui, antes de levar a reportagem da Família Cristã a conhecer um pouco mais da casa que, sendo do Vaticano, é também, segundo o próprio o chefe de protocolo, «de todos os cristãos».

A FAMÍLIA CRISTÃ está em Roma a acompanhar os últimos dias do pontificado de Bento XVI e irá trazer-lhe todas as novidades. Poderá seguir tudo, incluindo a emissão em direto da Audiência Geral de Quarta-feira, no sítio Web criado para o efeito, disponível em http://bentoxviresigna.blogspot.pt

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