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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Discurso de Bento XVI na sua última Audiência Geral


Veneráveis Irmãos no Episcopado e no Presbiterado!
Distintas Autoridades!
Caros irmãos e irmãs!

Agradeço por terdes vindo tão numerosos a esta última Audiência geral do meu pontificado.

Como o apóstolo Paulo no texto bíblico que ouvimos, também eu sinto no meu coração dever sobretudo agradecer a Deus, que guia e faz crescer a Igreja, que semeia a sua Palavra e assim alimenta a fé no seu Povo. Neste momento o meu ânimo alarga-se para abraçar toda a Igreja espalhada pelo mundo; e dou graças a Deus pelas «notícias» que nestes anos de ministério petrino pude receber na fé do Senhor Jesus Cristo, e pela caridade que circula no Corpo da Igreja e a faz viver no amor, e pela esperança que nos abre e nos orienta para a vida em plenitude, para a pátria do Céu.

Sinto ter de lembrar a todos na oração, num presente que é o de Deus, onde recolho todo o encontro, toda a viagem, toda a visita pastoral. Tudo e todos recolho na oração para a confiar ao Senhor: para que tenhamos pleno conhecimento da sua vontade, com toda a sabedoria e inteligência espiritual, e para que possamos comportar-nos de maneira digna d'Ele, do seu amor, produzindo fruto em toda a obra boa (cf Cl 1,9-10).

Neste momento, sinto em mim uma grande confiança, porque sei-o bem, todos o sabemos, que a Palavra de verdade do Evangelho é a força da Igreja, é a sua vida. O Evangelho purifica e renova, produz fruto, em qualquer comunidade dos crentes que escuta e acolhe a graça de Deus na verdade e vive na caridade. Esta é a minha confiança, esta é a minha alegria.

Quando, em 19 de abril de há quase oito anos, aceitei assumir o ministério petrino, tive a certeza de que Deus me acompanharia sempre. Naquele momento, como já o disse várias vezes, as palavras que ressoaram no meu coração foram: Senhor, que queres que eu faça? É um peso grande o que colocas nos meus ombros, mas se Tu mo pedes, à tua palavra lançarei as redes, certo de que Tu me guiarás. E o Senhor guiou-me verdadeiramente, esteve a meu lado, pude aperceber-me quotidianamente da sua presença. Foi um pedaço de caminho da Igreja que teve momentos de alegria e de luz, mas também momentos não fáceis; senti-me como S. Pedro com os Apóstolos na barca sobre o lago da Galileia: o Senhor deu-nos tantos dias de sol e de brisa ligeira, dias em que a pesca foi abundante; dias em que também houve momentos nos quais as águas se agitavam e o vento contrário, como em toda a história da Igreja e o Senhor parecia dormir. Mas eu sempre soube que em tal barca estava o Senhor e sempre soube que a barca da Igreja não é minha, não é nossa, mas é sua e Ele não a deixa afundar; é Ele que a conduz, certamente também através de homens que escolheu, porque assim quis. Esta foi e é uma certeza, que ninguém pode ofuscar. E é por isso que hoje o meu coração está cheio de ação de graças a Deus por nunca ter faltado a toda a Igreja e também a mim a sua consolação, a sua luz, o seu amor.

Estamos no Ano da Fé, que quis celebrar a fim de reforçar a nossa fé em Deus num contexto que parece metê-lo cada vez mais em segundo plano. Gostaria de convidar a todos a renovar a firme confiança no Senhor, a confiar-nos como crianças nos braços de Deus, certos de que os seus braços nos apoiam sempre e são o que nos permite caminhar em cada dia mesmo no cansaço. Gostaria que cada um se sentisse amado por aquele Deus que deu o seu Filho por nós e que nos mostrou o seu amor sem limites. Gostaria que cada um sentisse a alegria de ser cristão. Numa linda oração que se recita em cada manhã, está escrito: «Eu vos adoro, meu Deus, e vos amo com todo o coração. Agradeço-Vos  terdes-me criado, feito cristão…». Sim, estamos contentes pelo dom da fé; é o bem mais precioso, que ninguém nos pode tirar! Agradeçamos ao Senhor isto todos os dias, com a oração e com uma vida cristã coerente. Deus ama-nos, mas espera que também nós O amemos!

Mas não é somente a Deus que quero agradecer neste momento. Um Papa nunca está sozinho a guiar a barca de Pedro, ainda que seja sua a primeira responsabilidade; e eu nunca me senti sozinho ao levar a alegria e o peso do ministério petrino; o Senhor pôs a meu lado muitas pessoas que, com generosidade e amor a Deus e à Igreja, me ajudaram e estiveram perto de mim. Em primeiro lugar vós, caros Irmãos Cardeais: a vossa sabedoria, os vossos conselhos, a vossa amizade foram para mim preciosos; os meus Colaboradores, a começar pelo meu Secretário de Estado que me acompanhou com fidelidade nestes anos; a Secretaria de Estado e toda a Cúria Romana, como também todos os que, nos vários sectores, prestam o seu serviço à Santa Sé: são tantos rostos que não emergem, permanecem na sombra, mas precisamente no silêncio, na dedicação quotidiana, com espírito de fé e humildade, são para mim um apoio seguro e confiável. Um pensamento especial à Igreja de Roma, a minha Diocese! Não posso esquecer os Irmãos no Episcopado e no Presbiterado, as pessoas consagradas e todo o Povo de Deus: nas visitas pastorais, nos encontros, nas audiências, nas viagens, sempre recebi grande atenção e profundo afeto; mas também quis bem a todos e a cada um, sem distinções, com aquela caridade pastoral que é o coração de cada Pastor, sobretudo do Bispo de Roma, do Sucessor do Apóstolo Pedro. Todos os dias levei cada um de vós na minha oração, com o coração de pai.

Gostaria que esta minha saudação e o meu agradecimento chegasse a todos: o coração de um Papa alarga-se ao mundo inteiro. E gostaria de exprimir a minha gratidão ao corpo diplomático junto da Santa Sé, que torna presente a grande família das Nações. Aqui penso ainda em todos os que trabalham para uma boa comunicação a quem agradeço pelo seu importante serviço.

Aqui chegados, gostaria de agradecer muito cordialmente também a todas as numerosas pessoas em todo o mundo que nas últimas semanas me enviaram sinais comoventes de atenção, de amizade e de oração. Sim, o Papa nunca está sozinho, agora experimento-o ainda uma vez mais de modo tão grande que toca o coração. O Papa pertence a todos e muitíssimas pessoas sentem-se muito próximas dele. É verdade que recebo cartas dos grandes do mundo – de Chefes de Estado, de Chefes religiosos, de representantes do mundo da cultura etc. Mas recebo também muitíssimas cartas de pessoas simples que me escrevem simplesmente do seu coração e me fazem sentir o seu afeto, que nasce do estar junto com Cristo Jesus, na Igreja. Estas pessoas não me escrevem como se escreve por exemplo a um príncipe ou a um grande que não se conhece. Escrevem-me como irmãos e irmãs ou como filhos e filhas, com o sentido de uma ligação familiar muito afetuosa. Aqui pode-se tocar com a mão o que é a Igreja – não uma organização, não uma associação para fins religiosos ou humanitários, mas um corpo vivo, uma comunhão de irmãos e irmãs no Corpo de Jesus Cristo, que nos une a todos. Experimentar a Igreja neste modo e poder quase tocar com as mãos a força da sua verdade e do seu amor, é motivo de alegria, num tempo em que muitos falam do seu declínio.   

Nestes últimos meses, senti que as minhas forças tinham diminuído, e pedi a Deus com insistência, na oração, para me iluminar com a sua luz para me fazer tomar a decisão mais certa não para o meu bem, mas para o bem da Igreja. Dei este passo na plena consciência da sua gravidade e também novidade, mas com uma profunda serenidade de ânimo. Amar a Igreja significa também ter a coragem de fazer escolhas difíceis, sofridas, tendo sempre perante nós o bem da Igreja e não de nós mesmos.

Aqui permiti-me voltar uma vez mais a 19 de abril de 2005. A gravidade da decisão foi também devida ao facto de que daquele momento em diante me sentia empenhado sempre e para sempre pelo Senhor. Sempre – quem assume o ministério petrino não tem mais nenhuma privacidade. Pertence sempre e totalmente a todos, a toda a Igreja. À sua vida é, por assim dizer, totalmente tirada a dimensão privada. Pude experimentar, e experimento-o precisamente agora, que se recebe a vida precisamente quando se dá. Já disse que muitas pessoas que amam o Senhor amam também o Sucessor de S. Pedro e sentem afeição por ele; que o Papa tem verdadeiramente irmãos e irmãs, filhos e filhas em todo o mundo, e que se sente seguro no abraço da sua comunhão; porque não pertence mais a si mesmo, pertence a todos e todos pertencem a ele.

O “sempre” é também um “para sempre” - não mais existe um regresso ao privado. A minha decisão de renunciar ao exercício ativo do ministério, não acaba com isto. Não volto à vida privada, a uma vida de viagens, encontros, receções ou conferências. Não abandono a cruz, mas fico num modo novo agarrado ao Senhor Crucificado. Não carrego já o poder do ofício do governo da Igreja, mas no serviço da oração fico, por assim dizer, no recinto de S. Pedro. S. Bento, cujo nome levo como Papa, ser-me-á nisto de grande exemplo. Ele mostrou-nos o caminho para uma vida, que, ativa ou passiva, pertence totalmente à obra de Deus.

Agradeço a todos e a cada um também pelo respeito e pela compreensão com que acolhestes esta decisão tão importante. Eu continuarei a acompanhar o caminho da Igreja com a oração e a reflexão, com a dedicação ao Senhor e à sua Esposa como procurei viver até agora todos os dias e que quero viver sempre. Peço-vos que vos lembreis de mim junto de Deus, e sobretudo rezai pelos Cardeais, chamados a uma missão tão importante, e pelo novo Sucessor do Apóstolo Pedro: que o Senhor o acompanhe com a luz e a força do seu Espírito.

Invoquemos a intercessão maternal da Virgem Maria Mãe de Deus e da Igreja para que acompanhe cada um de nós e toda a comunidade eclesial; a Ela nos consagramos, com profunda confiança.

Caros amigos! Deus guia a sua Igreja, socorre-a sempre também e sobretudo nos momentos difíceis. Não percamos nunca esta visão de fé, que é a única verdadeira visão do caminho da Igreja e do mundo. No nosso coração, no coração de cada um de vós, exista sempre a alegre certeza de que o Senhor está ao nosso lado, nunca nos abandona, está perto e nos envolve com o seu amor. Muito obrigado!

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Queridos irmãos e irmãs,

            No dia dezanove de Abril de dois mil e cinco, quando abracei o ministério petrino, disse ao Senhor: «É um peso grande que colocais aos meus ombros! Mas, se mo pedis, confiado na vossa palavra, lançarei as redes, seguro de que me guiareis». E, nestes quase oito anos, sempre senti que, na barca, está o Senhor; e sempre soube que a barca da Igreja não é minha, não é nossa, mas do Senhor. Entretanto não é só a Deus que quero agradecer neste momento. Um Papa não está sozinho na condução da barca de Pedro, embora lhe caiba a primeira responsabilidade; e o Senhor colocou ao meu lado muitas pessoas que me ajudaram e sustentaram. Porém, sentindo que as minhas forças tinham diminuído, pedi a Deus com insistência que me iluminasse com a sua luz para tomar a decisão mais justa, não para o meu bem, mas para o bem da Igreja. Dei este passo com plena consciência da sua gravidade e inovação, mas com uma profunda serenidade de espírito.
* * *
            Amados peregrinos de língua portuguesa, agradeço-vos o respeito e a compreensão com que acolhestes a minha decisão. Continuarei a acompanhar o caminho da Igreja, na oração e na reflexão, com a mesma dedicação ao Senhor e à sua Esposa que vivi até agora e quero viver sempre. Peço que vos recordeis de mim diante de Deus e sobretudo que rezeis pelos Cardeais chamados a escolher o novo Sucessor do Apóstolo Pedro. Confio-vos ao Senhor, e a todos concedo a Bênção Apostólica.

Portugueses quiseram agradecer ao Papa


Vieram de todo o lado. Pelas bandeiras e tarjas era possível reconhecer as proveniências que as expressões faciais ou a cor da pele não deixavam transparecer. Alemanha, China, Filipinas, Nigéria, Espanha, Estados Unidos da América, e, claro, Portugal. Um mar de gente que “invadiu” a Praça de S. Pedro neste adeus a um Papa que tocou fundo no coração dos crentes, mesmo que no início tenha sido olhado com desconfiança pela maior parte dos católicos. «Este Papa no princípio era muito desconhecido, as pessoas só tinham preconceitos com ele. Quando ele começou o seu pontificado, aquilo que me ocorria dizer é que ainda não tínhamos Igreja para este Papa, ele ia à frente do seu tempo, em tudo o que dizia e pensava. Todas as mensagens, encíclicas e cartas que escreveu surpreenderam as pessoas, mas apenas porque essas pessoas não fizeram a leitura cuidada e espiritual das suas palavras». As palavras são do Pe. Carlos Carneiro, um dos muitos portugueses que se encontravam hoje pela Praça de S. Pedro, de bandeiras erguidas a tornar presente este país que, como já vimos em peças anteriores, é tão querido para o ainda Papa.

De Coimbra veio então de cerca de 30 portugueses, todos com bilhete para a zona reservada, onde tiveram a oportunidade de ver o Papa passar bem perto no papamóvel. «Decidimos vir porque estamos surpreendidos por um lado com a decisão, mas sintonizados com aquilo tudo que esta decisão está a provocar na Igreja, que é uma revolução serena a partir de uma grande atitude de confiança, em que o Papa se situa num lugar inesperado, deixando claro que quem leva a barca da Igreja é Deus, e o lugar dele é mais de servo, e portanto leva-nos consigo nesta nova atitude», explica o Pe. Carlos Carneiro, muito animado e consciente de que esta resignação foi um gesto que fica de lição para toda a Igreja. «É um gesto que diz muito da sua pessoa, mas também resume aquilo que ele pensa que é a Igreja e aquilo que a Igreja é chamada a ser nos próximos tempos», considera o sacerdote.

O Ir. José Silva é o terceiro a contar da esquerda
Como parte deste grupo estava também o Ir. José Silva, jesuíta que foi colocado na Cúria de Roma dos jesuítas há pouco mais de duas semanas, coincidindo com esta altura. Da audiência retira o gesto do agradecimento, «a marca do cristão». «Hoje deixou-me a imagem de uma pessoa profundamente agradecida, e isto é a marca do cristão. Agradeceu o dia de sol fantástico, o carinho das pessoas, tudo», referiu o religioso jesuíta.

A audiência geral marcou todos os participantes, que pontuavam as intervenções de Bento XVI com um silêncio impressionante ou com palmas, quando a altura se justificava. Todos em sintonia, porque todos tinham vindo de propósito para estar com o Santo Padre que resigna.
Foi também esse o desejo concretizado pela Teresa e pelo Luís, que não vinham sozinhos. «Nós falamos consigo, mas tem de nos tirar a foto com a bandeira do colégio, porque nós viemos em nome deles todos», “ameaçou” a Teresa, do colégio de S. Tomás, pertencente ao movimento Comunhão e Libertação, para quem o que fica deste Papa é a sua «liberdade». «A liberdade com que ele está diante das coisas, e a capacidade que tem de propor aquilo que acha que está certo, não para ele, mas para o bem da Igreja. Ter uma pessoa que se entrega totalmente com esta liberdade, acho que é a imagem de marca que fica», diz.
Já o Luís quis vir «agradecer o testemunho de fé» do Papa. «Queria agradecer-lhe o testemunho de fé que ele deu ao fazer isto, mostra um homem que confia mesmo em Deus», considera o jovem.

Da Universidade Católica veio um grupo de universitários acompanhados pelo Pe. Hugo, capelão da UCP. Estiveram no Angelus de domingo, pendurando-se no telhado do cardeal Saraiva Martins, mas hoje desceram à Praça para estar mais perto do Papa. «Guardo dele as palavras com que começou hoje, falando na alegria de ver que a Igreja está viva. O Papa entrou nesta praça e viu toda esta gente que o saudava e acompanhava nesta última audiência», afirmou o capelão da UCP, para quem esta é uma Igreja que não fica fragilizada com esta resignação. «É uma igreja que continua forte. Ele dizia que este ministério era levado não com as forças dele, mas com Cristo, e isso era o mais importante», considera.

De vários pontos do mundo, dezenas de milhares de fiéis encheram hoje a Praça de S. Pedro, não para velar o corpo de um Papa morto, mas para louvar a atitude de um Papa que resigna, mas que se vai manter atento e a rezar pela Igreja, assim como espera que todos os cristãos católicos o façam.

A FAMÍLIA CRISTÃ está em Roma a acompanhar os últimos dias do pontificado de Bento XVI e irá trazer-lhe todas as novidades. Poderá seguir tudo, incluindo a emissão em direto da Audiência Geral de Quarta-feira, no sítio Web criado para o efeito, disponível em http://bentoxviresigna.blogspot.pt 

A «inovação» da resignação

Bento XVI afirmou hoje no Vaticano que a sua decisão de renúncia ao pontificado, que se conclui esta quinta-feira, implicou uma "inovação" e disse que a mesma foi para o «bem da Igreja», citado pela Agência Ecclesia. «Dei este passo com plena consciência da sua gravidade e inovação, mas com uma profunda serenidade de espírito», explicou o Papa, em português, perante mais de 150 mil pessoas reunidas na Praça de São Pedro, para a última audiência pública do pontificado.

À imagem do que fez no último dia 11, quando anunciou a resignação, Joseph Ratzinger, de 85 anos, explicou a sua renúncia com a idade avançada e a falta de forças. «Sentindo que as minhas forças tinham diminuído, pedi a Deus com insistência que me iluminasse com a sua luz para tomar a decisão mais justa, não para o meu bem, mas para o bem da Igreja», precisou.

O Papa agradeceu «o respeito e a compreensão» com que foi recebida a sua decisão de renunciar ao pontificado e deixou uma promessa: «Continuarei a acompanhar o caminho da Igreja, na oração e na reflexão, com a mesma dedicação ao Senhor e à sua esposa que vivi até agora e quero viver sempre».
Bento XVI sustentou que um Papa «não está sozinho na condução da barca de Pedro [Igreja Católica], embora lhe caiba a primeira responsabilidade». «Nestes quase oito anos, sempre senti que, na barca, está o Senhor e sempre soube que a barca da Igreja não é minha, não é nossa, mas do Senhor», prosseguiu.

O Papa evocou o dia da sua eleição, a 19 de abril de 2005, lembrando que na altura falou num «grande peso» que lhe era colocado sobre os ombros. «O Senhor colocou ao meu lado muitas pessoas que me ajudaram e sustentaram», observou. Bento XVI disse que vai continuar a «acompanhar a Igreja» com a sua oração e pediu aos fiéis que rezem por si e pelo seu sucessor. «Peço que vos recordeis de mim diante de Deus e sobretudo que rezeis pelos cardeais chamados a escolher o novo sucessor do Apóstolo Pedro. Confio-vos ao Senhor, e a todos concedo a Bênção Apostólica», apelou, em português, uma das 12 línguas em que o Papa interveio esta manhã.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Um Papa que será mais compreendido pela História que pelas pessoas do seu tempo


Com o final do pontificado de Bento XVI a aproximar-se, sucedem-se os elogios. Não as palavras fáceis de circunstância, mas elogios sustentados nos factos que pessoas que vivenciaram com este Papa podem testemunhar.

A Família Cristã foi procurar saber como era Bento XVI na sua vertente diplomática, e por isso foi ao encontro do Monsenhor José Avelino Bettencourt, Chefe de Protocolo da Secretaria de Estado da Santa Sé. Filho de portugueses, este luso-canadiano foi nomeado em novembro por Bento XVI para este cargo, depois de desempenhar cargos no corpo diplomático da Santa Sé durante vários anos, primeiro como secretário da nunciatura em Kinshasa e depois como membro da secção das relações com os Estados.

Este é um cargo que permite assistir em primeira mão a tudo o que sucede na área diplomática no Vaticano. «Eu sou a primeira pessoa que os chefes de Estado e altos dignatários que visitam o Vaticano encontram no aeroporto», refere o monsenhor à Família Cristã, enquanto percorremos o corredor do terceiro andar da casa do Papa, onde se encontram os seus aposentos e onde funciona a Secretaria de Estado. A porta para os aposentos do Papa está fechada e caminhamos em sentido contrário, por um corredor ladeado por pinturas de mapas de todo o mundo, desenhados com uma precisão geográfica impressionante, considerando que são pinturas de 1570.

A Santa Sé tem relações diplomáticas com 180 países, agora que o Sudão do Sul também pediu para apresentar credenciais, e recebe regularmente visitas destes e de outros países, sempre por iniciativa dos próprios. «A Santa Sé nunca convida ninguém a visitá-la. Informa de acontecimentos e recebe todos os que nos queiram visitar, mas nunca faz convites a ninguém. São os outros que tomam a iniciativa de aqui vir, tenham ou não relações diplomáticas connosco», explica Mons. José Avelino Bettencourt.

A figura incompreendida 
Esta é uma área cara a Bento XVI, que tem conhecido um crescimento assinalável nos últimos anos, principalmente por causa da ação de Bento XVI nas suas próprias visitas ao estrangeiro. «Este Papa deu sempre muita importância à questão da diplomacia. Ele viajou muito em África, por exemplo, e conseguia dizer aos representantes dos governos africanos aquilo que mais ninguém lhes dizia. As questões do governo, da transparência, do respeito pela dignidade humana… disse-lhes coisas que mais nenhum chefe de Estado lhes diz. E o seu discurso nas Nações Unidas ainda vai ser muito referido…», avisa o sacerdote.

Pormenores de uma figura que foi muitas vezes incompreendida. «Infelizmente, os media nunca captaram a verdadeira essência de Bento XVI. A história vai olhar para Bento XVI de forma diferente daquela que nós olhámos. Não me surpreende que daqui a 100 ou 200 anos os seus textos se encontrem nos próprios breviários do clero. Ele tem coisas profundíssimas, e penso que a última linha não foi escrita ainda», considera o chefe de protocolo.

Que figura é então esta que nos deixa? «É uma pessoa muito atenta, sensível, longe da imagem fria e distante que todos têm dele. É o gentleman no ponto mais desenvolvido do conceito», diz, e continua. «Cada palavra que ele diz tem um significado próprio, uma intenção, não diz nada supérfluo, ou por acaso. É uma pessoa que traz um vasto mundo consigo, que consegue traduzir de uma forma acessível para todos. E isto tem a ver com aquela atenção que ele tem no trato com as pessoas. Quando ele recebe alguém, aquela pessoa é o centro do seu universo naquele momento. Não está com atenção ao próximo encontro, ou a outro assunto, mas sim à pessoa que tem à frente, e isso sempre me tocou muito», revela o chefe de protocolo.

O responsável por receber e preparar todos os encontros externos do Papa continua a revelar o seu pensamento tão particular e informado sobre a figura do Santo Padre. «E o que ele fez em termos de relações com os muçulmanos? Muitos falam do seu discurso em Ratisbona, mas foi a primeira vez que a comunidade muçulmana se uniu com mais de 150 assinaturas de responsáveis islâmicos e do Papa num documento onde se lia que os nossos valores cristãos e muçulmanos compartilham pontos de vista, e foi a primeira vez na história que tantos muçulmanos se uniram, e isto nunca ninguém refere», critica Mons. José Avelino Bettencourt.

Aliás, a presença de corpos diplomáticos provenientes de países islâmicos é uma constante, e sempre por iniciativa deles. «Os representantes de governos muçulmanos vêm aqui ao encontro de Bento XVI com um enorme respeito, e são os cristãos que pensam o contrário, porque eles querem vir e estar com o Santo Padre», defende.

Amigo de Portugal 
O Papa alemão é, segundo o seu chefe de protocolo, um homem muito atento a Portugal. «Bento XVI teve sempre muita atenção para Portugal e para tudo o que é português. Basta ver as nomeações que fez: o Cardeal Saraiva Martins e o cardeal Monteiro de Castro estão ao mais alto nível na Cúria. Depois visitou Portugal, Brasil, Angola, e foi também ele que quis que o português fosse uma língua usada nas Audiências Gerais», uma coisa que não há muita gente que saiba. «É muito consciente da história de Portugal, e acho que a esse nível Bento XVI foi um dom para Portugal», considera.

Mons. José Avelino Bettencourt não alinha com os que consideram que vivemos tempos graves como nunca antes se viveu na história. «Às vezes, olhamos para o mundo como se enfrentássemos a pior crise da História. Mas Pio IV foi levado para uma prisão por Napoleão e morreu numa cela em França, e quando a Guarda Pontifícia foi destruída durante o período de unificação da Itália, ou quando Carlos V mandou as suas tropas para cá e destruiu tanta coisa… de facto, acho que estamos a viver um período bastante sereno até».

Isto para responder a quem considera que a sucessão de Bento XVI poderá levantar várias questões, dependendo do perfil escolhido. «Temos de acreditar na Providência, e tudo está lá. Os Papas que temos tido têm sido homens do seu tempo. E este Papa foi um homem deste tempo, um grande Mestre nas coisas da fé, muitas das quais ainda estão para serem entendidas», conclui, antes de levar a reportagem da Família Cristã a conhecer um pouco mais da casa que, sendo do Vaticano, é também, segundo o próprio o chefe de protocolo, «de todos os cristãos».

A FAMÍLIA CRISTÃ está em Roma a acompanhar os últimos dias do pontificado de Bento XVI e irá trazer-lhe todas as novidades. Poderá seguir tudo, incluindo a emissão em direto da Audiência Geral de Quarta-feira, no sítio Web criado para o efeito, disponível em http://bentoxviresigna.blogspot.pt

Programa cheio até ao fim

Começam a ser conhecidos os pormenores oficiais sobre os últimos dois dias de Bento XVI como Santo Padre. Amanhã, quarta-feira, será a tão esperada Audiência Geral, que o Sumo Pontífice espera que seja «normal», segundo informações veiculadas pela Sala de Imprensa da Santa Sé. Haverá uma pequena procissão no papamóvel ao chegar à Praça, e depois Bento XVI irá proceder como em todas as audiências gerais. A única exceção será que não haverá o tradicional cumprimento pessoal a um pequeno grupo de pessoas. A imprensa italiana especulava que tal se devesse a questões de segurança, mas o porta-voz da Santa Sé esteve hoje na Sala de Imprensa a desmentir o que considerou serem «informações falsas». «O Papa não irá cumprimentar o pequeno grupo de pessoas apenas por questões logísticas, porque neste último dia seriam demasiados os que quereriam ser cumprimentados, e então em virtude disso não haverá cumprimentos pessoais».

Depois da Audiência Geral, terão lugar as últimas receções de Estado aos chefes de Estado da Eslováquia, que se desloca aqui pelos 1150 anos de São Cirilo, aos capitães de San Marino, que já estava agendado há muito tempo, e aos príncipes de Andorra. O último a ser recebido será, segundo indicações do protocolo da Santa Sé, muito provavelmente o presidente da Baviera que, por não ser chefe de estado, ficará para depois dos outros, em termos protocolares.

Último dia de despedidas 
Excluindo eventuais manifestações populares, que poderão acontecer na noite de quarta-feira para quinta-feira, o programa continuará na quinta-feira com a receção aos cardeais para uma despedida. A intenção inicial seria receber os cardeais da Cúria, mas a chegada precoce de muitos cardeais fará aumentar o número de cardeais presentes na cerimónia, onde o Cardeal Angelo Sodano, decano do Colégio Cardinalício, irá começar por proclamar umas breves palavras para todos, seguindo-se uma intervenção de Bento XVI. No final, «cada um dos cardeais terá oportunidade de cumprimentar pessoalmente Bento XVI e de lhe endereçar uma mensagem própria», referiu a sala de imprensa da Santa Sé hoje também. Presentes estarão os três cardeais portugueses, uma vez que a Família Cristã já conseguiu confirmar que é desejo do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, estar nesta cerimónia, onde com certeza marcarão presença os cardeais Saraiva Martins e Manuel Monteiro de Castro, que fazem parte da Cúria romana.

Da parte da tarde, está previsto que os funcionários da Secretaria de Estado, na qual se incluem também alguns portugueses, se despeçam de Bento XVI na sala de S. Dâmaso. Antes da partida de helicóptero para Castel Gandolfo, às 17h, o cardeal Angelo Sodano irá ter oportunidade de se despedir do Santo Padre.

A viagem de helicóptero para Castel Gandolfo demorará cerca de 15 minutos, pelo que Bento XVI será recebido pelas 17h15 pelas autoridades civis e religiosas locais, e às 17h30 fará uma breve aparição à janela para se despedir dos populares que lá se possam deslocar para se despedirem do Santo Padre, que, a partir das 20h, se recolherá em Castel Gandolfo como Papa emérito.

Quando passar 1 minuto das 20h, a Guarda Suíça irá, simbolicamente, fechar o portão de Castel Gandolfo e retirar-se-á do local, já que não prestará mais serviço de segurança a Bento XVI. A segurança será, a partir daí, assegurada pelas autoridades públicas. E Bento XVI, finalmente, descansará.

A FAMÍLIA CRISTÃ está em Roma a acompanhar os últimos dias do pontificado de Bento XVI e irá trazer-lhe todas as novidades. Poderá seguir tudo, incluindo a emissão em direto da Audiência Geral de Quarta-feira, no sítio Web criado para o efeito, disponível em http://bentoxviresigna.blogspot.pt

Habemus «Papa emérito»

A Sala de Imprensa da Santa Sé anunciou hoje que Bento XVI manterá o seu nome e o título de Sua Santidade, e passará a ter o título de Papa emérito, ou Pontífice Romano emérito. O Pe. Federico Lombardi disse ainda que não sabia se teria também o título de Bispo emérito de Roma, conforme anunciado há dias. «Apenas digo o que me indicaram para dizer», afirmou aos jornalistas. Este título foi decidido pelo próprio Papa, «depois de consultar outras pessoas, como o camerlengo e outros especialistas», indicou o Pe. Thomas Rosica, também na sala de imprensa da Santa Sé.

O Papa emérito manterá então as vestes brancas, mas sem a murça que o Papa costuma usar por cima das mesmas. Num apontamento humorístico, o Pe. Lombardi falou também dos sapatos que Bento XVI passará a usar. «Perguntámos a Sua Santidade sobre os sapatos, e ele disse que passará a usar uns sapatos castanhos que lhe tinham sido oferecidos na sua visita ao México, que eram muito confortáveis», declarou aos jornalistas.

Quanto ao anel do Pescador e ao selo pontifício, ambos serão «destruídos», conforme dita a constituição canónica que regula essas situações.

50 mil bilhetes emitidos para Audiência Geral 
Para melhor preparar a Audiência Geral de amanhã, o Papa está a passar o dia de hoje em oração. «Estão a ser feitas as malas para preparar as mudanças para Castel Gandolfo, pois o Papa irá levar já consigo todos os seus objetos pessoais», disse o Pe. Federico Lombardi. Para amanhã foram já reservados 50 mil bilhetes sentados para a Praça de S. Pedro, mas a expetativa é que a praça se encha de fiéis, pois a audiência é aberta a todos. «Todos serão bem-vindos», disse o porta-voz da Santa Sé, que indicou que os fiéis que não tiverem pedido bilhete devem chegar e acomodar-se o melhor possível.

A FAMÍLIA CRISTÃ está em Roma a acompanhar os últimos dias do pontificado de Bento XVI e irá trazer-lhe todas as novidades. Poderá seguir tudo, incluindo a emissão em direto da Audiência Geral de Quarta-feira, no sítio Web criado para o efeito, disponível em http://bentoxviresigna.blogspot.pt

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

«Bento XVI será considerado um grande Papa na história da Igreja»


D. Manuel Monteiro de Castro preparava-se para um reforma tranquila quando foi chamado por Bento XVI e nomeado cardeal e Penitenciário-Mor da Santa Sé. Hoje ocupa-se dos pecados mais graves dos cristãos e ainda tem tempo para ajudar a decidir sobre a beatificação e canonização de várias personalidades, incluindo portugueses, de quem promete novidades em breve, sem especificar casos. Recebeu a Família Cristã na Penitenciaria, em Roma, sobre o seu passado, Bento XVI e a sua primeira participação num Conclave.

Como é que chega à Cúria? 
Vim para cá em 1967. Já tinha trabalhado com o Papa Paulo VI, e depois andei pelos diversos país do mundo enquanto membro do corpo diplomático. Em 2009 terminei o trabalho em Madrid e pensei regressar finalmente a casa, mas fui convidado para vir para a congregação dos bispos. Mais tarde o Santo Padre nomeou-me para Penitenciário-mor e aqui estou com os meus 74 anos.

Que trabalho faz o Penitenciário-Mor? O penitenciário-mor tem dois trabalhos: um que se refere a todos os problemas de carácter interno e outro ligado às indulgências, que é o trabalho mais importante. Recebemos correspondência do mundo inteiro sobre estes problemas, e procuramos atender toda a gente, pois é muito útil quando há cerimónias muito importantes que se distinguem com indulgência plenária.

E os casos de foro interno? 
Há situações que só o Santo Padre absolver, os sacerdotes não podem. Esses casos são passados pelo Santo Padre à Penitenciaria, que os analisa e indica o tratamento. Falamos por exemplo de pessoas católicas que entrem em seitas e que violem o Santíssimo Sacramento. Infelizmente, isso acontece em diversas partes do mundo, irem ao altar, roubarem o santíssimo, ou guardarem a hóstia da comunhão… quando mais tarde essas pessoas veem que procedem mal e se vão confessar, o sacerdote vai dizer-lhes que esse é um assunto reservado à Santa Sé. O confessor comunica connosco e expõe o caso, sem nunca indicar nomes, e nós vamos dar-lhe algumas indicações para ele passar a essa pessoa, como se fosse um remédio, mais do que uma penitência, algo que faça a pessoa sentir-se melhor e mais tranquila. Pode passar por períodos de adoração, ou outra coisa. Passamos isto ao sacerdote confessor, que passa à pessoa em causa e a apoia.

Este é um Papa com quem tem uma relação especial, por ter sido ele a nomeá-lo. Como é que viu toda esta questão da resignação? 
Eu soube no momento, pois estávamos numa reunião normal com o santo Padre, e no final ele disse o que disse. Segundo o meu modo de ver, ele fez muito bem. Tem 85 anos, e vê que o mundo de hoje necessita de alguém com outras forças. Temos relações com 180 países, o Santo Padre tem muitos encontros e viu que já não tinha forças. Mas ele também disse que nunca deixará de estar connosco.

Como avalia a sua atitude? 
Vejo uma atitude nobre, uma atitude de alguém que sabe onde se encontra e que procura o bem-estar das pessoas. E este é o único motivo. As outras histórias que aparecem à volta não interessam. Desde que a Igreja nasceu, desde S. Pedro, tivemos sempre quem nos atacasse. E não é apenas a Santa Sé, porque as nunciaturas, as dioceses e as paróquias também têm sempre gente que está contra elas. O problema é que quando vamos a analisar, estas pessoas que estão contra não fazem mais nada a não ser estar contra.

Quando daqui a uns anos escreverem a história da Igreja, o que vai estar escrito no capítulo destinado ao pontificado de Bento XVI? 
Vai estar escrito que Bento XVI será considerado um grande Papa na história da Igreja, que deu passos notáveis em vários campos. Desde o Concílio Vaticano II que tentámos desenvolver relações com as outras religiões, mas ele deu passos muito importantes, com o Islão, Arábia Saudita, por exemplo, e com todo o mundo. Quando iniciei o meu exercício diplomático éramos 64 embaixadas, hoje temos 180, cobrimos quase o mundo inteiro e as pessoas sabem que é importante o trabalho da Santa Sé.

E é esse o legado que Bento XVI deixa? 
Deixa um legado de amor profundo à Igreja. Fez um estudo profundo daquilo que o Senhor nos deixou, e é aí que vêm as dificuldades. Muita gente quer que estudemos o que Bento XVI pensa, e ele diz-nos que devemos estudar aquilo que o Senhor deixou: os Evangelhos, os Atos dos Apóstolos… se apresentarmos isso, é o mais certo.

Foi um Papa pensador que preparou o caminho para outros Papas mais pastorais? 
Este foi também um Papa pastoral. É muito difícil dizer que um foi menos que o outro. Passei por vários Papas e todos foram diferentes, mas prestaram todos um serviço inestimável à Igreja.

O Papa disse que continuaria a fazer o seu trabalho… 
Ele disse que iria continuar a fazer o seu trabalho rezando.

E será só isso? 
Bom, ele pode fazer o que quiser, não fica impedido de nada. Mas ele disse-me que se dedicaria à oração, e é natural que também escreva algo. Ele deixa uma obra maravilhosa, e vai ser com certeza considerado um dos Padres da Igreja, deixou obras que serão únicas no pensamento.

Olhando para a Igreja de hoje, quais são os principais problemas que identifica? 
A Igreja hoje tem de levar a palavra do Senhor a todos, é o mais importante. Levá-la o melhor possível, atendendo às condições de cada um nas diferentes partes do mundo. Temos de nos adaptar a cada zona, mas o que é importante é transmitir a nossa fé em Deus através da nossa vivência, porque é a nossa conversa com o Senhor que é importante. Só depois desta conversa é que poderemos ajudar os outros a também se reconhecerem como filhos de Deus.

Estas reuniões preparatórias do Conclave poderão ajudar a perceber o perfil do próximo Papa? 
Não vejo como isso possa acontecer. Teremos as reuniões, sim, mas depois no Conclave cada um votará por si, não há nenhum perfil preparado.

Mas a idade será um aspeto a considerar… 
Sim, a idade pode ser importante, como outros fatores. Mas mais importante é alguém que se dedique totalmente ao Senhor.

Mas seria importante conseguir um pontificado maior no tempo? 
Este não foi um pontificado muito pequeno, foram 8 anos, mesmo assim. Mas vamos ver, vamos ver…

Vai ser o seu primeiro conclave. Nervoso? 
Nervoso, eu? Não, claro que não (risos). Nervoso porquê?

É uma grande responsabilidade… 
Sim, é, mas não estou nervoso, nem creio que vá ficar.

Já sabe como será o Conclave? 
Sim, não é segredo. Sou formado em Direito Canónico, e todos os procedimento estão escritos eu conheço-os já, portanto não haverá novidades para além daquelas que o Santo Padre anunciou com o Motu Proprio.

Como é que sente que vai ser participar numa coisa histórica? 
Sinto-me muito feliz por mim, e também por Portugal, que assim voltar a ter dois cardeais no Conclave. Nunca pensei chegar aqui, a minha vida foi o corpo diplomático e não pensei que chegaria aqui. Mas nunca disse que não e enquanto o Senhor me der forças aqui estarei para servir a Igreja, aqui e no Conclave.

Bento XVI permite que cardeais antecipem início do Conclave

A publicação do Motu Proprio de Bento XVI abriu a possibilidade de os cardeais anteciparem o início do próximo Conclave, num decreto anunciado hoje pela Santa Sé, com data de 22 de fevereiro, dia da Cátedra de S. Pedro, e apresentado aos jornalistas pelo arcebispo Pier Luigi Celata, vice-camerlengo da Igreja. «Deixo ao Colégio dos cardeais a faculdade de antecipar o início do Conclave se constar a presença de todos os cardeais eleitores, bem como a faculdade de prolongar, se houver motivos graves, o início da eleição por mais alguns dias», escreve o Papa.

O Motu Proprio [documento publicado por iniciativa pessoal] altera as regras que implicavam um tempo de espera de 15-20 dias após o fim do pontificado, situação prevista pela constituição apostólica Universi Dominici Gregis (1996), de João Paulo II. O beato polaco determinou que após o momento em que a «Sé Apostólica ficar legitimamente vacante» – morte ou renúncia do pontífice -, os cardeais eleitores presentes «devem esperar, durante 15 dias completos, pelos ausentes». Este período poderá ser antecipado desde que estejam presentes «todos os cardeais eleitores», por decisão de Bento XVI, mantendo-se o limite máximo de 20 dias para que se inicie a eleição após a morte ou renúncia do Papa.

Esta decisão de Bento XVI, de deixar nas mãos dos cardeais a data de início do Conclave, não criando regras que fixassem datas específicas, foi considerada de «grande visão pastoral e jurídica» pelo vice-camerlengo, que elogiou Bento XVI nesta decisão que «afeta todo o colégio de cardeais».

No que diz respeito à data de início do Conclave, o Pe. Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, declarou aos jornalistas que está tudo nas mãos dos cardeais, que deverão reunir a 1 de Março. «A reunião da congregação dos cardeais será provavelmente a 1 de Março, mas pode não sair da primeira reunião a data do Conclave», afirmou o porta-voz da Santa Sé.

Alterações menores
Fora a alteração que visa a data de início do Conclave, o Motu Proprio de Bento XVI introduz alterações menores em vários pontos da constituição apostólica Universi Dominici gregis, publicada por João Paulo II em 1996. De duas freiras que eram responsáveis por garantir o serviço aos cardeais e dar apoio ao Mestre das Celebrações Litúrgicas, passarão a ser oito as pessoas encarregues de providenciar tudo o que os cardeais precisarem durante o conclave. Estes empregados estão sujeitos a um juramento a realizar perante o camerlengo ou outro cardeal por ele indicado, e são as únicas pessoas externas ao Conclave a habitar no mesmo espaço que os cardeais.

Além dessa alteração, Bento XVI determinou que todos os cardeais deveriam participar na eucaristia pro eligendo pontifice que marca o início do Conclave, ao contrário da regra anterior, que definia que apenas os cardeais eleitores deveriam tomar parte. Finalmente, além de reforçar a segurança entre a Casa de Santa Marta, onde os cardeais dormem, e a Capela Sistina, onde acontecem as votações, Bento XVI introduziu mudanças na procissão que antecede a extra omnes, a frase que exige a que todos os que não vão votar no conclave abandonem a Capela Sistina para que se dê início à votação.

A FAMÍLIA CRISTÃ está em Roma a acompanhar os últimos dias do pontificado de Bento XVI e irá trazer-lhe todas as novidades. Poderá seguir tudo, incluindo a emissão em direto da Audiência Geral de Quarta-feira, no sítio Web criado para o efeito, disponível em http://bentoxviresigna.blogspot.pt

domingo, 24 de fevereiro de 2013

O Angelus visto pelos portugueses

Uns subiram até ao topo do prédio mais alto ao redor da Praça de S. Pedro, outros trouxeram bandeiras, outros vieram apenas prestar a sua homenagem. De uma forma ou de outra, a comunidade portuguesa fez-se presente neste último Angelus de Bento XVI.

De Oeiras chegou uma família de quatro. O Filipe e a Mónica trouxeram as filhas Constança e Carolina a Roma pela primeira vez. Os pais já cá tinham estado, as filhas não. E nenhum deles sabia que viria presenciar algo histórico quando marcaram estas férias. «Já tínhamos marcado este fim-de-semana de férias há muito tempo, foi uma feliz coincidência», conta a Mónica, que fala num momento «histórico» para a Igreja e também para a família. O Filipe foi surpreendido pelo anúncio do Papa há umas semanas atrás. «Tínhamos sempre aquela ideia de que o lugar de Papa deveria ser eterno, até à morte», diz o Filipe, que em seguida explica que compreende as razões do Santo Padre e até retira de lá lições que deveriam ser seguidas por todos. «Comprende-se que tenha resignado por questões de saúde e é uma atitude que pode servir de exemplo até para os governos, porque assumiu que não tinha condições e saiu para dar lugar a outro mais capaz», defende.

A opinião desta família sobre o Papa é a mesma que muitos dos fiéis em todo o mundo. «Estive cá no início do pontificado e pareceu-me uma pessoa fria e distante», diz o Filipe, ao que a Mónica acrescenta de imediato «isso até à visita em Portugal, porque aí mudámos a nossa ideia e percebemos que é uma pessoa mais humana, mais simpática».

Sobre o novo Papa, esta família tem um palpite, que sai da boca da Constança, a mais pequena. «O cardeal Ouellet» do Canadá, diz, com força de palpite. Filipe e Mónica não sabem quem será o novo Papa, mas sabem que precisará de ser um «pastor». «As pessoas precisam de uma referência para seguir, um pastora que faça com que toda a gente o compreenda», diz o Filipe, ao que a Mónica acrescenta a questão da idade. «Este iniciou o pontificado muito velho, seria bom que fosse alguém mais novo, porque vivemos uma fase em que a Igreja precisa de alguém durante mais tempo», considera.

Portuguesas de Roma 
Elisabete e Victória são mãe e filha. Vivem em Roma, mas «vamos sempre a Portugal de férias», faz questão de frisar a Victória. Trouxeram a bandeira de Portugal para a Praça de S. Pedro, juntamente com um gosto muito especial por este Papa. «Hoje foi um dia especial, já cá vim muitas vezes, mas este foi o último Angelus, é algo que nos fica na memória», explica a Elisabete, que afirma que foi a filha que insistiu que viessem.

A Victória é pequena mas tem uma admiração por Bento XVI bem maior que o seu tamanho e idade. «Tenho algo no coração, só este Papa é que me faz sentir assim especial», conta, de olhos fechados e uma certeza na voz que impressiona. «Quando fala em português», continua a pequena Victória, «parece que é o nosso Papa, que estamos lá com ele», afirma a pequena portuguesa.

Apesar de não terem chegado às 200 mil pessoas, os fiéis esgotaram a praça de S. Pedro, empunhando cartazes e gritando palavras de ordem de admiração e apoio a Bento XVI, que no final do Angelus agradeceu a todos as palavras e orações, e pediu que continuassem a rezar por ele e pela Igreja.

A FAMÍLIA CRISTÃ está em Roma a acompanhar os últimos dias do pontificado de Bento XVI e irá trazer-lhe todas as novidades. Poderá seguir tudo, incluindo a emissão em direto da Audiência Geral de Quarta-feira, no sítio Web criado para o efeito, disponível em http://bentoxviresigna.blogspot.pt

O mosteiro para onde vai Bento XVI

Depois de deixar o cargo de bispo de Roma e de papa, Bento XVI viajará até Castel Gandolfo, residência de férias dos papas e vila rodeada de jardins luxuriantes e protegida por altos muros, tendo por único horizonte o Lago de Albano e as colinas da natureza. Após a eleição do seu sucessor, instalar-se-á definitivamente no mosteiro Mater Ecclesiae situado nos jardins do Vaticano.

Fundado por João Paulo II 
Trata-se de uma instituição fundada em 1994 por João Paulo II, o mosteiro de construção moderna situado nos flancos da colina com os emissores da Rádio Vaticana. A arquitetura é sóbria e despojada, com linhas simplificadas. Ainda que a poluição de Roma tenha pouco peso no interior dos recintos do Vaticano, os muros de tijolos começam a ter uma poeira tipicamente ‘romana’. Entre 1994 e novembro de 2012, o mosteiro acolheu sucessivamente religiosas clarissas, carmelitas, beneditinas e visitandinas. No decurso do seu pontificado, Bento XVI foi visitá-lo três vezes. O mosteiro está resguardado por um alto muro de verdura e assim fica sempre ao abrigo de qualquer olhar. O portão também está encerrado.

No interior, à sua direita, há uma pequena fração de terreno com algumas árvores frutíferas para que as religiosas possam oferecer ao papa legumes frescos mas também doçarias que ele gosta. Tem uma vista espetacular para a ábside da basílica de São Pedro. O edifício tem forma cúbica e conta com dois andares. A capela, de estilo moderno, fica à entrada à esquerda. Pode-se aceder a ela desde o exterior, no fim de uma pequena galeria que permite rezar o terço ao abrigo de intempéries. De lá, goza-se duma vista espetacular sobre a ábside da basílica de S. Pedro, em contra baixo, sobre a cidade de Roma e, no horizonte, sobre os pícaros geralmente com neve dos Apeninos. Numa palavra, uma paisagem que não deixará certamente de lembrar ao papa a sua Baviera natal.

A capela mede cerca de 5 metros sobre 7. A sua decoração é sóbria, o altar está orientado para o Nordeste. Na parte oposta, situava-se até ao presente o espaço fechado e separado por uma grelha de madeira em que viviam as religiosas para reuniões habituais. A assembleia não pode ir além de uma dezena de pessoas, sem contar com as religiosas enclausuradas. Bento XVI escolheu este lugar como o mais apropriado para passar os seus dias de reforma, estudando, lendo, escrevendo e rezando a Bíblia  na calma absoluta – apenas o murmúrio dos fontenários ambientais se faz ouvir – com flora e fauna abundantes.

Bento XVI não vai «abandonar a Igreja»

O Papa Bento XVI declarou hoje em Roma, perante os milhares de fiéis de que encheram a praça de S. Pedro, que não vai abandonar a igreja. «O Senhor chama-me a “subir à montanha”, a dedicar-me ainda mais à oração e à meditação. Mas isto não significa abandonar a Igreja», referiu o Santo Padre, para alegria dos milhares de pessoas que encheram a praça e saudaram o Papa quando ele assomou à janela da sua residência no Vaticano.

Nestes últimos dias tem sido avançada aqui em Roma a possibilidade de Bento XVI se manter “ativo”, apesar da resignação. Ontem mesmo o cardeal Saraiva Martins adiantava essa possibilidade, em conversa com a nossa revista, e já antes o cardeal Manuel Monteiro de Castro tinha falado nisso, conforme noticiou já a FAMÍLIA CRISTÃ. Hoje, o ainda Papa confirmou essa disponibilidade, ao contrário do que a Santa Sé deixou passar nos primeiros dias após o anúncio da resignação, quando indicavam que Bento XVI se iria retirar de toda a atividade. «Se Deus me pede isto é para que eu possa continuar a servi-la [a Igreja] com a mesma dedicação e o mesmo amor como o tenho feito até agora, mas num modo mais adaptado à minha idade e às minhas forças», disse hoje o Santo Padre durante o Angelus.


A importância da oração 
Bento XVI iniciou a sua intervenção no Angelus com uma pequena homília sobre o Evangelho de Marcos deste domingo, que celebra a Transfiguração do Senhor, reforçando a ideia da importância da oração neste tempo da Quaresma. «Na Quaresma aprendemos a dar o justo tempo à oração, pessoal e comunitária, que dá respiração à nossa vida espiritual. Além disso, a oração não é um isolamento do mundo e de suas contradições, como no Tabor talvez Pedro quisesse insinuar, mas a oração reconduz ao bom caminho, à ação», explicou o Papa, perante uma praça de S. Pedro que o escutava em silêncio respeitador.


A FAMÍLIA CRISTÃ está em Roma a acompanhar os últimos dias do pontificado de Bento XVI e irá trazer-lhe todas as novidades. Poderá seguir tudo, incluindo a emissão em direto da Audiência Geral de Quarta-feira, no sítio Web criado para o efeito, disponível em http://bentoxviresigna.blogspot.pt

O último Angelus de Bento XVI

Caros irmãos e irmãs!

No segundo domingo da Quaresma, a Liturgia apresenta-nos sempre o Evangelho da Transfiguração do Senhor. O evangelista Lucas dá um destaque especial ao facto de Jesus se transfigurar enquanto orava: a sua é uma experiência profunda de relacionamento com o Pai durante uma espécie de retiro espiritual que Jesus vive num alto monte em companhia de Pedro, Tiago e João, os três discípulos sempre presentes nos momentos da manifestação divina do Mestre (Lc 5,10; 8,51; 9,28). O Senhor, que pouco antes tinha preanunciado a sua morte e ressurreição (9,22), oferece aos discípulos uma antecipação da sua glória. E ainda na Transfiguração, como no batismo, ressoa a voz do Pai celeste: «Este é o meu Filho, o meu eleito; escutai-O!» (9,35).

A presença de Moisés e de Elias, que representam a Lei e os Profetas da antiga Aliança, é muito significativa: toda a história da Aliança é orientada para Ele, para Cristo, que realiza um novo «êxodo» (9,31), não para a terra prometida como no tempo de Moisés, mas para o Céu. A intervenção de Pedro: «Mestre, é bom para nós estarmos aqui» (9,33) representa a tentativa impossível de participar em tal experiência mística. Comenta Santo Agostinho: «[Pedro]…sobre o monte…tinha Cristo como alimento da alma. Porque é que deveria descer para voltar às canseiras e aos sofrimentos, enquanto lá em cima estava cheio de sentimentos de santo amor por Deus que lhe inspiravam por isso uma santa conduta?» (Sermão 78,3).

Meditando esta passagem do Evangelho, podemos tirar dela um ensinamento muito importante. Em primeiro lugar, o primado da oração, sem a qual todo o empenho no apostolado e na caridade se reduz a um ativismo. Na Quaresma aprendemos a dar o justo tempo à oração, pessoal e comunitária, que dá respiração à nossa vida espiritual. Além disso, a oração não é um isolamento do mundo e de suas contradições, como no Tabor talvez Pedro quisesse insinuar, mas a oração reconduz ao bom caminho, à ação. «A existência cristã – escrevi eu na Mensagem desta Quaresma – consiste numa contínua subida ao monte do encontro com Deus, para em seguida voltar a descer levando o amor e a força que dela derivam, de modo a servir os nossos irmãos e irmãs com o mesmo amor de Deus» (n. 3).

Caros irmãos e irmãs, esta Palavra de Deus estou a senti-la eu de modo especial dirigida a mim, neste momento da minha vida. O Senhor chama-me a «subir à montanha», a dedicar-me ainda mais à oração e à meditação. Mas isto não significa abandonar a Igreja. Bem pelo contrário, se Deus me pede isto é para que eu possa continuar a servi-la com a mesma dedicação e o mesmo amor como o tenho feito até agora, mas num modo mais adaptado à minha idade e às minhas forças. Invoquemos a intercessão da Virgem Maria: ela nos ajude a todos a seguir sempre o Senhor Jesus, na oração e na caridade operosa.

DEPOIS DO ANGELUS
Queridos peregrinos de língua portuguesa que viestes rezar comigo o Angelus: obrigado pela vossa presença e todas as manifestações de afeto e solidariedade, em particular pelas orações com que me estais acompanhando nestes dias. Que o bom Deus vos cumule de todas as bênçãos.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Um Papa todo para ler

No decurso destes oito anos de pontificado, a pregação e a catequese de Bentto XVI produziram um grande número de escritos (discursos, homilias, mensagens...). Se alguém tivesse a paciência de passar a vista pelos 13 volumes já publicados dos seus Ensinamentos, poderia facilmente notar não somente a grande riqueza de conteúdos teológicos e espirituais, mas também a limpidez da escritura com que o Papa os torna acessíveis ao vasto público. De resto, com o seu típico procedimento teológico-narrativo e meditativo-espiritual, Bento XVI não quer apenas escavar na palavra de Deus para dela extrair todos os significados possíveis, mas procura também atualizar os textos, de tal forma que eles não se limitem a ser um conjunto de páginas interpretadas e commentadas, mas sejam palavras vivas, que envolvem profundamente a existência de quem quer realmente encontrar-se com Jesus.

O teólogo ou o exegeta que Ratzinger foi não sufocam nele o pastor de almas que veio a ser. Cada texto está entrelaçado e interage com o outro. Com o passar dos tempos, dir-se-ia que se começa a apreciar cada vez mais, ao lado do acume intelectual que nos era já familiar das suas obras precedentes, a afluência espiritual com que o Papa se põe ao serviço da Palavra. Substancialmente damo-nos conta de que Bento XVI não fala só como teólogo – na realidade nada frio, como lhe foi insinuado –, mas pelo contrário, como intérprete que comunica com simplicidade a mensagem que deve anunciar ao homem de hoje. Esta foi uma grande surpresa nos inícios do seu pontificado.

Tendo aparecido após uma figura carismática como a de João Paulo II, a opinião pública fizera de Bento XVI uma imagem falseada ou parcial, retendo que o novo Papa não pudesse exercer qualquer fascínio especial e sobretudo não pudesse ter aqueles dons comunicativos que tinham engrandecido o seu predecessor. Pelo contrário, a pouco e pouco, as pessoas abriram para ele os olhos e deram-lhe crédito; compreenderam que não tinham perante elas o ilustre teólogo que falava aos especializados, mas um humilde servidor da fé, que procurava acompanhar os crentes e não crentes na procura de Deus e de nós mesmos.

Palavras vãs sem a fé
Bento XVI debruçou-se muitas vezes a falar sobre os mestres da fé e ilustrando o seu pensamento, sobre a natureza e a função da teologia e sobre qual deve ser a missão a que é o teólogo chamado. Das suas reflexões e das suas críticas, compreende-se bem como entende ele o “pensar” a teologia: cada palavra é vã se não se enraíza na essência da fé da qual a Igreja é guardiã, porque a teologia não anuncia teorias pessoais, correndo o risco de ser espelho somente de si própria, mas anuncia e ensina a fé da Igreja. Um outro cume do seu modo de entender a teologia – que se reflete na metodologia, nos conteúdos e no estilo de seus escritos – consiste nisto: a teologia autêntica é em si mesma inseparável da vida espiritual, na sua tensão constante para a santidade. A credibilidade e a subsistência da teologia vêm da oração e do testemunho cristão, que são também eles o substrato da palavra do teólogo. Sem esta inseparável unidade, a teologia permanece «agarrada à mesa onde foi trabalhada» – segundo uma feliz imagem de von Balthasar –, ou seja, é somente um invólucro de palavras estéreis, que recaem sobre si mesmas como flores gastas, porque não recebem a água viva da fonte original.

Pelo contrário, da teologia “feita com os joelhos”, ou seja, duma teologia orante e que por isso dá frutos, porque tem em si o sémen que a fecunda. Esta é a razão porque os santos, mesmo que nada tenham escrito, e às vezes até foram pobres de instrução, são os primeiros teólogos da Igreja: porque rezam, amam e, guiados pelo Espírito, ensinam a doutrina através do dom do seu exemplo, no centro do qual não se vê aí ideias ou palavras suas, mas unicamente o pensamento e o coração de Cristo, que vivem e refletem a luz na Igreja e no mundo. Esta é a teologia, por assim dizer, em ato, que testemunha com a santidade da vida a verdade e o amor de Deus, explica e genera a fé. Muitas vezes na exegese histórico-crítica contemporânea e na exegese antiga da Igreja veio a ser criada uma fratura profunda, como um separador de águas entre o antigo e o novo mundo: o novo mundo (a exegese moderna) não pode andar junta com o antigo (a interpretação tradicional da Igreja).

Giuliano Vigini
Blogue «Famiglia Cristiana» 

As três encíclicas de Bento XVI: o Evangelho ao passo da história

Bento XVI assina a encíclica Caritas in veritate: «Por vezes, o homem moderno está erroneamente convencido de ser o único autore de si próprio, da sua vida e da sociedade. Todo o homem é chamado a um desenvolvimento, porque toda a vida é vocação» (Osservatore Romano / Reuters).

Deus caritas est (2005), Spe salvi (2007) e Caritas in veritate (2009): assim a Salvação pode vivificar a sociedade, a política, a economia. Prometeu-no-la no domingo 24 de abril de 2005, durante a solenne concelebração eucarística com que começou o seu ministério de Papa. «Caros amigos», disse Bento XVI, «não preciso apresentar um programa de governo». Ele, acrescentou, consiste pelo menos em «não fazer a minha vontade, nem em não persistir nas minhas ideias, mas pôr-me em escuta, com toda a Igreja, da Palavra e da vontade do Senhor e deixar-me guiar por ele, de forma que seja ele mesmo a guiar a Igreja nesta hora da nossa história».

Joseph Ratzinger foi homem de palavra. A sua herança melhor, de facto, ficou representada em seus dez discursos. Nas suas homilias. Nas suas catequeses. Nos seus livros. E em especial nas suas três encíclicas, fruto de diálogo e de confronto, de estudo e de paixão. A Deus caritas est foi publicada em 2005, a Spe salvi em 2007. A Caritas in veritate é de 2009. Quando saiu, a Deus caritas est surpreendeu e fez discutir. Normalmente um Pontífice exorta com uma encíclica programática: a muitos comentadores aquele documento não pareceu tal. Trata-se na realidade de um juízo sumário, que não tem em conta a natureza e o desejo mais autêntico de Joseph Ratzinger, apaixonado crente, fino teólogo, tenaz pastor. A Deus caritas est não impõe, é verdade, prioridades típicas de uma agenda política. Mas repropõe o coração da mensagem cristã, religião da caridade e não da lei. O ser cristão, afirma-se com abundância de argumentações, não se apoia ssobre uma decisão ética ou sobre uma grande ideia, mas brota do encontro com um acontecimento, com uma pessoa.

O eclipse dos valores gera crises
Em novembro de 2011, dirigindo-se aos participantes da assembleia plenária do Pontifício Conselho dos Leigos, Bento XVI sugeriu uma ligação entre a primeira e a segunda encíclica, um fio que para falar verdade atravessa toda a existência. O Papa insiste no tema: “A questão de Deus hoje”. «Nunca nos devemos cansar de repropor tal pergunta», disse Joseph Ratzinger, «de “recomeçar de Deus”, para voltar a dar ao homem a totalidade das suas dimensões, a sua plena dignidade. De facto, uma mentalidade que se tem divulgado no nosso tempo, renunciando a toda a referência ao transcendente, demonstrou-se incapaz de compreender e preservar o homem. A difusão desta mentalidade gerou a crise em que vivemos hoje, que é uma crise de significado e de valores, antes de ser uma crise económica e social. O homem que se esforça por existir somente positivisticamente, no calculável e no palpável, no fim de contas é sufocado. Neste quadro a questão de Deus é, num certo sentido, “a questão das questões”. Ela leva-nos às perguntas de fundo que o homem coloca, às aspirações de verdade, de felicidade e de liberdade inscritas no seu coração, que procuram uma realização. O homem que desperta em si a pergunta sobre Deus abre-se à esperança, a uma esperança de confiança, pela qual vale a pena enfrentar a fadiga do caminho no presente» (Spe salvi, 1).

A Caritas in veritate, por fim. A encíclica social que se ocupa de economia, em plena crise, mas que levanta e alarga o olhar. «A verdade do desenvolvimento consiste na sua integralidade», observa Bento XVI. «Se não é de todo o homem e de cada homem inteiro, o desenvolvimento não é verdadeiro desenvolvimento. Esta é a mensagem central da Populorum progressio, válida hoje e sempre». Aqui chegados, voltamos ao início: «Sem Deus o homem não sabe para onde vai e não nem sequer consegue compreender quem seja. Somente um humanismo aberto ao absoluto pode guiar-nos na promoção e realização de formas de vida social e civil, salvaguardando-nos do risco de cair prisioneiros das modas do momento».

Alberto Chiara
blogue da revista «Famiglia cristiana»

Bento XVI será bispo emérito de Roma


A poucos dias da data oficial da resignação, começam a surgir novidades em relação ao tratamento que irá ser dado ao Papa que resigna. O cardeal Francesco Cocopalmerio, presidente do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, afirmou à imprensa que Bento XVI passará a ser «bispo emérito de Roma».

Segundo o sítio Web Rome Reports, ao tornar-se Papa, Joseph Ratzinger abdicou do seu título de cardeal, pelo que o procedimento a adotar neste momento será o mesmo que é aplicado a qualquer outro bispo diocesano aquando da sua resignação. Uma vez que o Papa é, por acumulação, o bispo titular da diocese de Roma, a sua resignação implicará a atribuição deste título emérito. Apesar de já existirem alguns rumores sobre este assunto, apenas agora, com esta interpretação do presidente do Conselho Pontifício que trata da interpretação das leis da Igreja dada à imprensa, esta tese ganha mais força, já que é indicação de que o assunto foi já estudado.

No que diz respeito ao tratamento, tudo indica que se manterá como Bento XVI, já que é o nome que lhe foi atribuído e nenhum dos especialistas que até agora se pronunciaram sobre isso parecem encontrar fundamento para que o futuro bispo emérito de Roma deixe de ser chamado de Bento XVI. Nesta linha de pensamento, também não será de excluir que Bento XVI mantenha alguma atividade académica e literária, e o mesmo foi já adiantado hoje aos jornalistas portugueses presentes em Roma pelo cardeal Manuel Monteiro Castro, quando afirmou que Bento XVI iria «continuar a escrever».

Conclave não deverá ser antecipado
No que diz respeito à data de início do Conclave, o Pe. Federico Lombardi relembrou hoje em Roma que serão os cardeais a fazer essa marcação. Apesar de assumir que Bento XVI se poderá pronunciar sobre o assunto ainda antes da sua resignação, o porta-voz da Santa Sé não garantiu que o Motu Proprio que estará a ser preparado se vá pronunciar sobre este tema em particular. «Sabemos que será um documento que não ditará nenhuma mudança estrutural, mas não sabemos o que o Santo Padre irá escrever», confirmou aos jornalistas portugueses.

Já a opinião em Roma parece apontar para a não antecipação da data, já que é vontade de alguns dos cardeais que irão participar no conclave de preparar bem a reunião magna dos cardeais, que irá eleger o novo Papa. Existem já várias conversações sobre o perfil do novo Papa, e mais encontros deverão decorrer após a resignação de Bento XVI, uma vez que nessa altura a Santa Sé estará a ser governada pelo colégio dos cardeais. Existem dúvidas sobre o que se pretenderá do novo Papa, e serão essas decisões que ajudarão a encontrar o perfil do novo Papa e, por conseguinte, facilitar a sua eleição no Conclave. Também por isso todas as especulações que têm saído na comunicação social são precoces e não possuem grande critério de fiabilidade, já que apenas com os cardeais todos presentes se darão início às reuniões preparatórias que deverão determinar o perfil desejado para o chefe máximo da Igreja Católica no mundo.

A FAMÍLIA CRISTÃ está em Roma a acompanhar os últimos dias do pontificado de Bento XVI e irá trazer-lhe todas as novidades. Poderá seguir tudo no sítio Web criado para o efeito, disponível em http://bentoxviresigna.blogspot.pt

Bento XVI, teólogo da comunicação digital

Bento XVI é certamente um «Papa teólogo». Entre os aspetos a indagar num futuro estudo sobre o seu magistério é um que o liga à Teologia da Comunicação. Como Pontífice, com efeito: 1) compreendeu a importãncia do desenvolvimento da cultura digital 2) evidenciou-lhe os riscos gravíssimos 3) mas também intuiu as suas enormes potencialidades. Lendo atentamente os textos do magistério de Bento XVI sobre o tema da comunicação descobrem-se intuições e um programa de reflexão. Descobre-se, entre outras coisas, uma lucidez de fundamentação das linhas de uma «teologia da comunicação» adaptada aos nossos dias.

Proponho aqui à meditação atenta o discurso que Bento XVI fez na Plenária do Conselho Pontifício das Comunicações Sociais em 28 de fevereiro de 2011, que ilustra com os desafios principais que a cultura digital põe à teologia.

«Caros Irmãos e Irmãs, alegro-me ao acolher-vos por ocasião da Plenária do Dicastério. Saúdo o Presidente, Mons. Claudio Maria Celli, a quem agradeço pelas palavras cheias de cortesia que me dirigiu. Na Mensagem do Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano, convidei à reflexão sobre o facto de que as novas tecnologias não somente mudam o modo de comunicar, mas estão operando uma vasta transformação cultural. Vai-se desenvolvendo um novo modo de aprender e de pensar, com inéditas oportunidades de estabelecer relações e construir comunhão. Gostaria agora de me debruçar sobre o facto de que o pensamento e a relação acontecem sempre na modalidade da linguagem, entendida naturalmente em sentido lato, não apenas verbal. A linguagem não é um simples revestimento intercambiável e provisório de conceitos mas o contexto vivente e pulsante no qual os pensamentos, as inquietações e os projetos dos homens nascem na consciência e são plasmados em gestos, símbolos e palavras. O homem, pois, não apenas «usa» mas, de certa forma, "habita" na linguagem.

Especialmente hoje, as coisas que o Concílio Vaticano II definiu «maravilhosas invenções técnicas» (Inter mirifica, 1) estão a transformar o ambiente cultural, e isto exige uma atenção específica às linguagens que nele se desenvolvem. As novas tecnologias "têm a capacidade de pesar não apenas sobre as modalidades, mas também sobre os conteúdos do pensamento" (Aetatis novae, 4). As novas linguagens que se desenvolvem na comunicação digital determinam, entre outras coisas, uma capacidade mais intuitiva e emotiva que analítica, orientam para uma diferente organização lógica do pensamento e da relação com a realidade, privilegiam muitas vezes a imagem e as ligações hipertextuais.

A tradicional distinção nítida entre linguagem escrita e oral parece diluir-se em favor de uma comunicação escrita que toma a forma e a imediatez da oralidade. As dinâmicas próprias das "redes participativas", exigem além disso que a pessoa se envolva no que comunica. Quando as pessoas trocam entre si informações, estão já partilhando-se a si mesmas e a sua visão do mundo: tornam-se "testemunhas" do que dá sentido à sua existência. Os riscos que se correm, certamente, estão sob os olhos de todos: a perda da interioridade, a superficialidade em viver as relações, a fuga para a emotividade, o prevalecimento da opinião mais convincente em relação ao desejo de verdade. E todavia eles são a consequência de uma incapacidade de viver com plenitude e de maneira autântica o sentido das inovações. Por esta razão a reflexão sobre as linguagens desenvolvidas pelas novas tecnologias é urgente. O ponto de partida é a Revelação, que nos testemunha como Deus comunicou as suas maravilhas na linguagem e na experiência real dos homens, "segundo a cultura própria de cada época" (Gaudium et spes, 58), até à plena manifestação di si no Filho Encarnado. A fé sempre penetra, enriquece, exalta e vivifica a cultura, e esta, por seu lado, faz-se veículo da fé, a quem oferece a linguagem para pensar e exprimir-se. É necessário portanto prestar atenção como auscultadores das linguagens dos homens do nosso tempo, para estarmos atentos à obra de Deus no mundo.»

antoniospadaro
cyberteologia 

«Bento XVI continuará a escrever para nós»

D. Manuel Monteiro de Castro, cardeal português e penitenciário-mor da Santa Sé, esteve com os jornalistas portugueses em Roma a falar sobre o legado de Bento XVI. Destacando as áreas da fé, da caridade e da paz como marcantes do seu pontificado, o prelado lembrou que «em grande parte dos seus escritos, aparece a palavra beleza».

O cardeal que foi nomeado por Bento XVI e irá participar pela primeira vez num Conclave, afirmou aos jornalistas no final do encontro que o ainda Papa se mostra «tranquilo e muito animado». «Uma pessoa que consegue ter uma relação com Deus, que esteve nos lugares mais difíceis do mundo e nunca teve problema, é porque confia em Deus», declarou o cardeal.

Afirmando que muitas vezes «não se publica a totalidade do que se diz», e que por isso por vezes «não se compreende a mensagem que pretendemos passar», D. Manuel Monteiro de Castro defende que isso não é culpa de quem transmite a mensagem. «Temos pena que assim seja, mas a culpa não é nossa, a mim só me preocupa se eu faço algo que não estava bem», disse.

Falando sobre o legado que este Papa deixa, o penitenciário-mor da Santa Sé fala sobre as suas «obras magníficas» defende que o Papa deverá continuar a «escrever». «O facto de ele deixar de ser Papa não significa que ele vá deixar de escrever ou de falar connosco», concluiu.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Cáritas Internacional agradece ao Papa por ter colocado «a caridade no coração da Igreja» e «do mundo»

O presidente da Cáritas Internacional (CI) agradeceu hoje o empenho que Bento XVI colocou ao longo do seu pontificado na defesa da «caridade» e da «justiça social», através da sua oração, das suas encíclicas e viagens pastorais. Numa mensagem publicada na página da Cáritas Portuguesa, o cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga enaltece a forma firme como o Papa colocou «a caridade no coração da Igreja» e «do mundo», denunciou «o sofrimento das pessoas em perigo» e «falou de amor e compaixão» como valores a promover e preservar, cita a Agência Ecclesia. «Ainda antes de fazer um ano desde o início do seu pontificado, o Papa Bento já tinha claramente delineado o papel essencial de amar os outros e ajudar os pobres e vulneráveis ​​na encíclica Deus Caritas Est», recorda o líder da organização católica tutelada pelo Vaticano. «Quatro anos mais tarde», acrescenta o prelado hondurenho, Joseph Ratzinger «deu» ao mundo a encíclica «Caritas in Veritate», reflexão «que enfatizou a necessidade de tornar a economia global num sistema mais ético».

Em maio de 2011, num encontro no Vaticano com 300 delegados da CI, vindos de todo o mundo, Bento XVI referiu-se aquele organismo pontifício como expressão do «coração» da Igreja. «Estar no coração da Igreja, e ser capaz, de certo modo, de falar e agir em nome dela para o bem comum, implica certas responsabilidades no âmbito da vida cristã, tanto ao nível pessoal como comunitário», salientou o Papa, durante uma sessão que assinalava os 60 anos da chamada Caritas Internationalis.

D. Oscar Rodríguez Maradiaga destaca o repto deixado por Bento XVI, e garantiu que «este coração feito de caridade na forma de amor para com os menos afortunados vai continuar a crescer e a bater ainda mais forte». Na missiva, assinada também pelo secretário-geral da CI, Michael Roy, o arcebispo de Tegucigalpa oferece «oração e apoio ao Papa» cessante «e também à Igreja universal, neste momento de mudança».

A Família Cristã vai estar a acompanhar os últimos dias de Bento XVI como Papa em direto a partir de Roma. Pode seguir tudo no blogue http://bentoxviresigna.blogspot.pt